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HISTÓRIA D'UM CÃO


(Foto 01)



Bom dia!
Terça-feira, 22 de maio de 2012


"Dificilmente a fidelidade, humildade e perdão, virtudes aqui atribuídas aos cães e tão deslembradas entre muitos homens, encontrarão paralelo narrativo como este.
Sensibilizados pelo poema, seguramente, isso muito influenciou nossa postura com os animais, desde então.
E, a cada leitura, tanto a partir da primeira quanto agora, já decorridos cinqüenta anos, gotas de pranto orvalham-nos o rosto".

Palavras de Eurípedes Kühl - Autor do livro: ANIMAIS, NOSSOS IRMÃOS, da editora Petit. Em cujo livro  encontramos este poema da autoria  de Luís Guimarães.



HISTÓRIA D'UM CÃO
Poema de Luís Guimarães


Eu tive um cão. Chamava-se Veludo:
Magro, asqueroso, revoltante, imundo,
Para dizer numa palavra tudo
Foi o mais feio cão que houve no mundo.


Recebi-o
das mãos d'um camarada.
Na hora da partida, o cão gemendo
Não me queria acompanhar por nada:
Enfim - mau grado seu - o vim trazendo.


O meu amigo cabisbaixo, mudo,
Olhava-o ... o sol nas ondas se abismava...
«Adeus!» - me disse,- e ao afagar Veludo
Nos olhos seus o pranto borbulhava.


«Trata-o bem. Verás como rasteiro
Te indicarás os mais sutis perigos;
Adeus! E que este amigo verdadeiro
Te console no mundo ermo de amigos.»


Veludo a custo habituou-se à vida
Que o destino de novo lhe escolhera;
Sua rugosa pálpebra sentida
Chorava o antigo dono que perdera.


Nas longas noites de luar brilhante,
Febril, convulso, trêmulo, agitado
A sua cauda - caminhava errante
À luz da lua - tristemente uivando


Toussenel, Figuier e a lista imensa
Dos modernos zoológicos doutores
Dizem que o cão é um animal que pensa:
Talvez tenham razão estes senhores.


Lembro-me ainda. Trouxe-me o correio,
Cinco meses depois, do meu amigo
Um envelope fartamente cheio:
Era uma carta. Carta! era um artigo.


Contendo a narração miúda e exata
Da travessia. Dava-me importantes
Notícias do Brasil e de La Plata,
Falava em rios, árvores gigantes:


Gabava o "steamer" que o levou; dizia
Que ia tentar inúmeras empresas:
Contava-me também que a bordo havia
Mulheres joviais - todas francesas.


Assombrava-me muito da ligeira
Moralidade que encontrou a bordo:
Citava o caso d’uma passageira...
Mil coisas mais de que me não recordo.


Finalmente, por baixo disso tudo
Em nota breve do melhor cursivo
Recomendava o pobre do Veludo
Pedindo a Deus que o conservasse vivo.


Enquanto eu lia, o cão tranquilo e atento
Me contemplava, e - creia que é verdade,
Vi, comovido, vi nesse momento
Seus olhos gotejarem de saudade.


Depois lambeu-me as mãos humildemente,
Estendeu-se a meus pés silencioso
Movendo a cauda, - e adormeceu contente
Farto d’um puro e satisfeito gozo.


Passou-se o tempo. Finalmente um dia
Vi-me livre daquele companheiro;
Para nada Veludo me servia,
Dei-o à mulher d’um velho carvoeiro.

E respirei! «Graças a Deus! Já posso»
Dizia eu «viver neste bom mundo
Sem ter que dar diariamente um osso
A um bicho vil, a um feio cão imundo».


Gosto dos animais, porém prefiro
A essa raça baixa e aduladora
Um alazão inglês, de sela ou tiro,
Ou uma gata branca cismadora.


Mal respirei, porém! Quando dormia
E a negra noite amortalhava tudo,
Senti que à minha porta alguem batia:
Fui ver quem era. Abri. Era Veludo.


Saltou-me às mãos, lambeu-me os pés ganindo,
Farejou toda a casa satisfeito;
E - de cansado - foi rolar dormindo
Como uma pedra, junto do meu leito.


Preguejei furioso. Era execrável
Suportar esse hóspede inoportuno
Que me seguia como o miserável
Ladrão, ou como um pérfido gatuno.


E resolvi-me enfim. Certo, é custoso
Dizê-lo em alta voz e confessá-lo:
Para livrar-me desse cão leproso
Havia um meio só: era matá-lo.


Zunia a asa fúnebre dos ventos;
Ao longe o mar na solidão gemendo
Arrebentava em uivos e lamentos...
De instante em instante ia o tufão crescendo.


Chamei Veludo; ele seguiu-me. No entanto
A fremente borrasca me arrancava
Dos frios ombros o revolto manto
E a chuva meus cabelos fustigava.


Despertei um barqueiro. Contra o vento,
Contra as ondas coléricas vogamos;
Dava-me força o torvo pensamento:
Peguei num remo - e com furor remamos.


Veludo à proa olhava-me choroso
Como o cordeiro no final momento.
Embora! Era fatal! Era forçoso
Livrar-me enfim desse animal nojento.


No largo mar ergui-o nos meus braços
E arremessei-o às ondas de repente...
Ele moveu gemendo os membros lassos
Lutando contra a morte. Era pungente.


Voltei à terra - entrei em casa. O vento
Zunia sempre na amplidão, profundo.
E pareceu-me ouvir o atroz lamento
De Veludo nas ondas, morimbundo.


Mas ao despir dos ombros meus o manto
Notei - oh grande dor! - haver perdido
Uma relíquia que eu prezava tanto!
Era um cordão de prata: - eu tinha-o unido


Contra o meu coração constantemente
E o conservava no maior recato,
Pois minha mãe me dera essa corrente
E, suspenso à corrente, o seu retrato.


Certo caíra além no mar profundo,
No eterno abismo que devora tudo;
E foi o cão, foi esse cão imundo
A causa do meu mal! Ah, se Veludo


Duas vidas tivera - duas vidas
Eu arrancara àquela besta morta
E àquelas vis entranhas corrompidas.
Nisto senti uivar à minha porta.


Corri, - abri... Era Veludo! Arfava:
Estendeu-se a meus pés, - e docemente
Deixou cair da boca que espumava
A medalha suspensa da corrente.


Fora  crível, oh Deus? - Ajoelhado
Junto do cão - estupefato, absorto,
Palpei-lhe o corpo: estava enregelado;
Sacudi-o, chamei-o! Estava morto.

(Foto 02)



Luís Caetano P. G. Junior

Biografia


Diplomata, poeta, romancista e teatrólogo brasileiro nascido na cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio, fez brilhante carreira literária na fase de transição do romantismo para o parnasianismo.

Filho de Luís Caetano Pereira Guimarães, português, e de Albina de Moura, brasileira, estudou no Colégio Pedro II e iniciou o curso de direito em São Paulo.

Aos dezesseis anos escreveu seu primeiro romance, Lírio Branco (1862), dedicado a Machado de Assis. Partiu para São Paulo, a fim de continuar os estudos preparatórios, e lá recebeu uma carta de Machado de Assis animando-o a prosseguir na carreira das letras.

Mudou-se para o Recife, onde foi colega de Tobias Barreto e Castro Alves, e fez o curso de Direito (1864-1869).

De volta ao Rio, desenvolveu intensa atividade e fez grande sucesso na imprensa como folhetinista e comediógrafo.

Com seu prestígio lançou-se numa campanha em favor do voto para as mulheres e da igualdade de direitos para ambos os sexos, integrando um movimento feminista denominado de Nova Legião.

Sua situação no jornalismo e nas letras, embora brilhante, não lhe proporcionava os meios para viver estavelmente e aceitou o convite do poeta e amigo Pedro Luís, então ministro dos Negócios Estrangeiros, para atuar na diplomacia como secretário de Legação em Londres.

Depois passou por vários outros postos, servindo  (1873-1894) em Santiago do Chile, Roma, Caracas, Lisboa e Veneza.

Membro fundador da Academia Brasileira de Letras, ao se aposentar da carreira diplomática (1894), onde chegou ao posto de ministro plenipotenciário, passou a morar em Lisboa, onde morreu.

Autor de um famoso soneto "Visita à Casa Paterna", sua obra poética resumiu-se principalmente nos livros Corimbos (1869) e Sonetos e Rimas (1880).

Também publicou os perfis biográficos de Carlos Gomes e Pedro Américo, além de numerosos textos de circunstâncias, comédias e o romance humorístico A família Agulha.



Biografia fonte:http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/LuisCPGJ.html

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1 comentários:

as baleias disse...

Muito lindo o peoma HISTÓRIA D'UM CÃO de Luís Guimarães, a amizade d cão por seu dono q sempre o rejeitou e o cão até o último surpiro foi leal. parabéns Mariangela pela escolha d poema.

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